Joãozinho de Ogum

− Patacori Ogum! Meu nome é Joãozinho de Ogum, minha fé foi forjada no fogo ardente do amor por aquele que me deu a luz primeiro, nosso Deus, e depois o Preto Velho João Guiné e o general Henrique. Foram eles que me encontraram perdido no campo de batalha naquela noite em que me perdi daqueles que amo e deixei este mundo de vocês.

“Assim eu cheguei a cidade de Aruanda: em uma maca, segurando a mão de um homem de armadura medieval e capa azul, seus pés estavam sujos de lama e sua amadura arranhada pela batalha travada com os meus raptores, mas o sol batia em seu peito e ele brilhava como se fosse o próprio sol. E eu, um menino assustado, me sentia protegido. Depois de tudo que eu tinha passado, um soldado do Cristo, do próprio Jesus, havia ido me buscar e foi assim que fui levado ao centro médico e fiquei por muito tempo lá sendo tratado. ”

“Por uma decisão minha mantive meu períspirito em forma infantil, porque assim poderia depois de muito estudo me tornar um guerreiro igual o homem da capa azul. Eu sempre ia até a o bairro dos guerreiros me ajoelhar diante da imagem de Ogum, beber da água de sua fonte e pedir que ele me fizesse seu cavaleiro. E ouvindo minhas preces, fui aceito na escola de Ogum. Foram tempos de muito estudo: eu aprendi a magia das espadas e também a magia da guerra, soube que minha luta era pela paz e que esta não me daria o direito de sentir raiva ou qualquer sentimento que não fosse o amor. Henrique se tornou meu tutor e sempre vinha me ver, meu amor por ele só crescia. Ele me ensinou valores que nunca havia aprendido quando na Terra.”

“Quando eu vivia nesse corpo a espada era minha lei, lutei em nome do Cristo. Quanto engano o meu, pois naquela guerra o que menos tinha era o Cristo, mas eu exercia uma fé cega e não sabia disso. Fui um cavaleiro jovem e destemido, porém tinha um bom coração. Saí de casa jovem para ser treinado e seguir os objetivos da religião, aos 19 anos padeci no campo de batalha e fui logo trazido ao plano espiritual pelo velho João (ele está aqui há muito tempo) e uma nova reencarnação foi planejada para mim, pois apesar do meu bom coração a lei do retorno está aí para todos. Eu havia feito muitos filhos órfãos e deveria me responsabilizar por isso. ”

“Depois de quase 200 anos eu voltei, desta vez eu era só um menino negro nascido de uma escrava linda e sábia. Mãe Joana saíra do plano maior para a ferida da alma do negro escravo curar. Eu aprendi com minha mãe que toda dor é lição com um pingo de amor. Para mãe Joana nada era pior que a falta do amor ao próximo e ela amava até o branco que a escravizavam. Suas ervas eram para todos e eu achava que ela não se recusava a cuidar dos brancos com medo da chibata, mas não, era amor mesmo. Eu, com dez anos de idade, cuidava dos cavalos dos senhores e fui tirado da minha função para a lavoura do café. Minha revolta juvenil tomou conta de mim, pois não havia nada mais que amava do que aqueles animais, me tornei uma criança rebelde e comecei a ser um problema para os senhores da fazenda. Fui levado ao tronco pela primeira vez aos 12 anos de idade e isso começou a ser frequente, mas mesmo com o sofrimento de minha mãe e dos mais velhos que pediam a mim que aceitasse minha nova condição, que Olorum sabia de todas as coisas, eu não ouvia nenhum deles. E junto com alguns negros, em uma noite de lua cheia, quando a mata estava clara, resolvi fugir e deixar toda aquela dor para traz. Mas como era previsto por muitos dos anciões: fomos capturados. Os senhores não deixavam uma mercadoria tão valiosa assim escapar por nada, fomos caçados até sermos encontrados e o sonho da liberdade ficou distante. Me usaram como exemplo e fui arrastado por um cavalo até a fazenda, lá mãe Joana chorava e lamentava, pedia aos Orixás que tivessem piedade de mim, mas eles pareciam ter virado as costas para nós. Mesmo já quase morto fui colocado no tronco, por um momento de lucidez vi os olhos dela, eles me deram força para que o medo saísse de mim e junto dela estava mais uma vez o nego João e o soldado do Cristo, minha mãe se ajoelhou ao meu lado e recusou-se a sair de lá, o carrasco não teve piedade e fomos os dois açoitados ali até que nossos espíritos deixassem o corpo. Quando me vi livre daquela dor e do peso do corpo meu coração se encheu de alegria, mas como disse: eu muito havia feito, por isso muitos daqueles que antes minha espada havia feito chorar agora estavam ali se deliciando do meu sofrimento. Enquanto os negros cantavam um lamento a Oxalá no plano físico, no espiritual uma batalha foi travada para que Joana e eu fossemos socorridos. ”

“Depois disso decidi ser um Erê para ajudar as mãezinhas que um dia fiz chorar, mas todos nós crescemos e agora chegou minha vez. Apesar de sentir a tristeza de vocês aí, eu peço que se se alegrem... Eu serei da primeira Legião de Ogum, receberei minha armadura e minha espada novamente para agora escrever uma nova história e vou em busca de curar as feridas daqueles que choram. Logo, logo, estarei protegendo minha mãezinha, pois será através dela que eu, Joãozinho de Ogum, cumprirei parte de minha missão. ”

“Um dia poderei ter a dádiva de voltar a viver entre vocês, esta não é uma despedida, tios, é um até logo, pois o que foi unido pela lei do amor nada vai separar! Amo todos vocês, pois se não fosse a oportunidade bendita de ter uma Casa tão linda para trabalhar eu não poderia hoje ter meu cavalo. E não esqueçam: Joãozinho de Ogum foi ali e volta já... ”

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