Vovó Cambinda

− Fios, que alegria é estar aqui nesse dia bendito e santo, e quanto tempo esperamos por este momento em que o verbo se transforma em letra e esta velha de mão calejada e rosto sofrido pode contar um pouco de si. Eita que vocês pareciam cangos afoitos e preocupados se mais tarde teria o que comer de tanto que tagarelavam de mim! Tô reclamando não fios, acho bonito o prosear de vocês e o quanto a alegria é contagiante, tá certo que eu sinto o coração de alguns apertado, mas fios quando eu sentava no terreiro e pedia resposta à Olorum e aos Orixás, eles nunca me abandonaram. Meus telhado era as estrelas e minha proteção vinha dos raios de Iansã e nada nunca me faltou.”

“Os fios devem está perguntando “como assim vó, nada faltou? A vó era escrava...”, mas fios eu tinha o que precisava, tinha as águas de Oxum que me banhava, tinha a força de Oxóssi que me fazia valorizá o que sobrava da casa grande e a sobra virava fartura, eu tinha as folhas de Ossaim que me ajudavam a curar os cangos e os mais velhos. E eu não era tão velha filhos, eu era nova como dizem vocês, por isso sobrevivi e venci as batalhas que a vida me destinou, não posso reclamar, pois eu era uma negra bela e ainda sou vicê, com isto sofri por ser quem era.”

“Com os mais velhos aprendi a trazer os cangos na terra, já que este trabalho era de muita responsabilidade fios os meus donos me deixavam comer do que sobrava deles, e assim pelas minhas mãos muitos vinheram a esta terra para depurar seus maus atos, nem sempre pensei assim já que fazia com amor, mas sabia que aquele espirito seria escravo e não conheceria a liberdade carnal. Vi, sem poder fazer nada, crianças morrerem e mulheres matarem os seus para não passarem pelo o que elas passavam, agora sei que fiz pouco, pois nada justifica, fios, o que lá acontecia. Toda dor do mundo e toda privação de seja lá o que for não vale a vida que Olorum nos deu.”

“O tempo passou fios e um feiticeiro me ensinara a manipular as ervas, ele já estava do lado de cá − Eu via o Joaquim e ele tinha outro nome, que deixarei ele falar quando for o momento −, aprendi com ele e com outros espíritos a curar feridas e as doenças da senzala, mas tudo acontece como deveria acontecer. Uma certa noite fios, a filha do senhor da casa grande veio a falecer ao parir um cango e eu fui duramente castigada, assim voltei para a terra de cá.”

“Porque não me revoltei? Do lado de cá Joaquim me esperava, junto de alguns conhecidos de vocês, e os tambores de Aruanda tocavam louvores as almas. Quando entrei, comecei meu trabalho com a cura e as ervas. Sempre que posso visito meus cangos, muitos ainda estão em situações difíceis fios e eu tento ajudar como posso. Por hoje não contarei o porquê desse meu destino, mas saibam que um dia, não muito distante, farei. Esta nega não é de pedra e as emoções não me deixarão falar mais, minhas lagrimas, como sempre, são de alegria de ver vocês se dedicando, com lagrimas entrego às mãos de Olorum o meu destino e o de vocês que são meus cangos.”

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