Martim Parangolá

 - O diabo eu achei que tu não ia cumprir sua promessa! Mas depois da festa de hoje não tinha como fugir Ogummmmm! Eu te falei que esse dia chegaria peste! Salve suas forças e peço a compreensão de todos, pois eu não sei falar bonito igual o diacho do caboclo não viu!? Salve as forças de meu Pai Ogum Beira-Mar, salve a forças dos Velhos e do diabo das crianças, principalmente da Menina Bianca!

"Sabe de uma coisa? Eu até ensaiei palavras charmosas, mas o Velho Guiné e a Velha Cambinda disseram que ia parecer marmotagem e eu deveria ser eu mesmo, porque meus peixes e minhas sereias esperam que eu e meu mano Sete Âncoras traga a alegria. Tanto que muitos de vocês confundem isso como palhaçada e estamos longe de ser apenas bêbados engraçados. Diacho! Se vocês soubessem o quanto foi sofrido pra gente chegar aqui! Olha hoje vou contar só uma lua pequena, pois a grande demoraria muito e o Ogum ia desistir logo."

"Hoje eu sou um canoeiro e na graça da Senhora das Águas Doces fiz minha morada, mas eu já naveguei muito pelas águas da Grande Senhora. Foi ela quem me trouxe para o lado de cá em uma das vezes, eu não gosto de falar muito dessa época, pois eu era um excluído que só servia para descascar pedra... Eita lasqueira que meu mano Sete Âncoras que era um degrau acima de mim apanhava, imagina eu que era ninguém!?"

"Muito distante dessa terra de vocês eu fui enganado pela ambição e o meu egoísmo, pois a promessa do senhor mercante era que eu iria em busca de ouro e muitas especiarias. Eita diacho, como doeu meu peito deixar o meu povo! Eu vivia em uma ilha, era o segundo na liderança, pois meu pai que organizava aquela comunidade que vivia do mar. Tinha lá minha sereia, oh mulher brava e linda! Meus peixes eram bem cuidados e eu ambicioso, já que queria o lugar do meu mais velho. Convencido que seria o desbravador do mar, convenci parte dos homes daquele lugar a acompanhar aquele homem branco e de fala encantadora a uma grande aventura. Mal sabia eu que levaria os meus a uma desgraça completa. Sabe meus filhos, vocês têm que ter direção nessa vida, tem que ser determinado e querer sempre o melhor, mas isso não pode fazer com que você se perca da sua essência e da sua origem, porque quem esquece de quem é dificilmente consegue encontrar o caminho de volta. Por isso bato no peito e digo que sou Martim, feito no aço de meu Pai Ogum Beira-Mar, não para lembrar a vocês, mas sim a mim de onde vim e quem eu sou! Vocês são problema de vocês, eu sei quem eu sou e isso para mim é o que importa – Eita que já perdi o rumo da prosa, diabo!"

"Mas como ia dizendo, deixei tudo para trás e minha comunidade caiu em desgraça, pois o homem só queria tirar os homes de nossa aldeia para atacar e levar tudo o que tínhamos de mais valor. E foi nessa época meu primeiro encontro com meu mano Sete Âncoras e um dos Velhos da Casa: em um navio fui aprisionado e ali era forçado a trabalhar. Mesmo com tanto remorso não deixei aquilo me abater ou pelo menos fingia que não, porque não podia deixar o pouco que restou do meu povo se acabar na tristeza. Foram luas difíceis e não sei como e de onde tirava forças, nosso capitão tinha que ser duro, pois disso dependia a ração que ele comia e dividia com a gente. Pastei na mão desse demônio, mas nas poucas horas de descanso me sentava perto de um prisioneiro de sorriso amarelo, magro feito um diacho, sem forças para falar, mas o brilho no olhar e o sorriso sempre aberto. Ele falava de um mundo sem dor e ganancia e cheio de trabalho que daria amor, eu não sei o motivo, mas gostava de ouvir aquele que por muitos era tido como doido e esta foi a primeira vez que ouvi falar de Olorum já que cultuávamos outros povos daonde eu vim."

"A cada corpo que minhas mãos alimentava o mar, ia junto um pedaço de mim. Comecei a ficar fraco, pois nossa ração diminuiu e eu dividia a minha com o velho. A peste tomou conta de mim, fui lançado ao mar ainda vivo e por castigo ou piedade da Grande Rainha não morri e por sete dias fui visitado pelos espíritos do mar. Sentindo aquela água gelada e minha consciência que não me deixava morrer em paz, quem eram estes espíritos? Por vezes eram aqueles que eu fiz mal, me atormentando. Por outras, minha sereia que tentava me despertar daquele pesadelo e não conseguia. Até que dentro dessa escuridão ouvi a voz do velho amigo que gritava para que eu despertasse, me puxou para uma canoa e me cobriu com um manto azul, junto dele estavam minha sereia que segurava minha mão e meu velho pai que cantava em uma língua estranha. A canoa ancorou em uma linda praia e ali encontrei o descanso a beira mar. Sabe meus filhos, eu demorei muito tempo para me perdoar e tive que voltar mais uma vez antes de receber a honra de ser eu, mas contarei isso depois, o que importa agora é vocês saberem que por mais difícil que tudo pareça ser, o Orixá nunca vai te abandonar e que nós que já estamos aqui vamos atravessar junto com vocês este mar chamado vida. Como prometi a minha sereia, a meu pai e ao Velho sábio: eu, Martim Parangolá nunca mais deixarei os meus! Salve a força de todos vocês!"

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